Portal SD,
Já li alguns textos da coluna, mas acho que minha dúvida é bem específica e, como é PapodeHomem, poderá me ajudar.
Meu marido só quer me comer e fico incomodada com isso. Ele não tem o menor tato e me sinto como se fosse um pedaço de carne. Depois que termina, ele ainda fica um pouco mais carinhoso e... nada.
O resto do tempo não tem carinho algum, beijo na boca só rola na hora do sexo. Isso me deixa completamente sem vontade quando ele começa a fazer aquela cara que quer transar. Não consigo achar isso normal, dá uma luz!
Um abraço,
B.
Querida B.,
Parece consenso que homem gosta de sexo. Porém, é
pouquíssimo discutido como a questão é abordada com sua parceira. O fato
é que muitas mulheres se queixam, como você, da total inabilidade de
seus parceiros ao abordá-las para incitar o desejo e ter uma transa que
não seja mendigada.
Homens foram educados para desejar corpos
A pedagogia da vida cotidiana demarca a maneira como o desejo masculino deve se comportar.
Os meninos parecem ser condicionados a explorar o mundo concreto,
externo e visível enquanto seu mundo interior, contemplativo, reflexivo e
poético é subestimado. Essa moldura prematura cria um percurso mais
pobre para o olhar masculino.
A relação que o homem-médio vai estabelecer com seus sentimentos é
bem física. Raramente um homem desenvolve um vocabulário emocional para
expressar o que sente, isso quando consegue identificar algum problema.
As expressões que ouço giram em torno de "estou cansado" (quando está
trite), "sinto um troço aqui" (apontando para o peito, quando está
angustiado por desejos divididos) ou simplesmente um silêncio sepulcral
(quando tem vergonha de lidar com sua impotência frente à vida).

Apenas alguns, que foram educados com um olhar mais humanizador,
conseguem dizer que estão "tristes diante da impossibilidade de atingir
seus sonhos mais profundos" ou que estão se sentindo "desamparados e
sobrecarregados emocionalmente".
Mas o que isso tem a ver com sexo? Tudo, afinal, se o sexo começa
muito antes da cama e termina muito depois, o homem precisa se
movimentar para além da ação sexual. É aí que o desastre aparece, pois
ignorante de seu mundo interno, ele não consegue ter empatia pela sua
parceira a ponto de desvendar seu estado de espírito. Ele não foi
preparado para encantar uma pessoa, seu desejo está contaminado pelo
trio vagina-peito-bunda e a mulher torna-se apenas uma fonte de prazer
sensorial.
Por isso, quando vocês estão fora da cama, ele não consegue associar o
beijo na boca como outra forma de expressão de afeto senão o sexo.
Como os homens aprendem a seduzir?
Observe um menino com seus oito anos de idade e como ele se comporta
em relação à sua mãe – o primeiro amor feminino de sua vida. A maneira
com que ele a "seduz" são de duas ordens: fazendo charme/dengo ou
chamando atenção (ficando doente ou causando confusão). De qualquer uma
das formas ele obtém o que quer imediatamente: carinho e exclusividade.
Ao longo dos anos essa fórmula só ganha novos coloridos. Dificilmente
nosso menino conseguirá variar além desses dois princípios: se mostrar
carente e "pidão" ou impressionar com alguma dose de imponência e
provocação.
Na abordagem sexual a primeira tática é conhecida pelas mulheres. O
homem começa a tratá-la melhor, ser menos rabugento, até que engata uma
apalpada, um beijo e arranca sua roupa. Outra variação disso é fazer
cara de gudi-gudi da mamãe e evocar um senso de retribuição sexual pelo
seu comportamento frágil e adocicado, como quem puxa a barra da saia
para pedir doce. O efeito dessa cara de Gato de Botas do Shrek é uma
mulher entrando no jogo da mamãe e transando num misto de piedade e
aborrecimento. Afinal, aguentar marmanjo mal-humorado mendigando sexo é
muito chato.
A abordagem de chamar a atenção é ainda mais deprimente. Na fase da
paquera, o homem vai querer chacoalhar os seus símbolos de poder para
atrair o olhar feminino. Ele vai usar a beleza, o dinheiro, o carro, o
status profissional ou a cara de bom moço, qualquer atributo que o
destaque dos demais homens. Ao longo do relacionamento, quando esse
recurso já está manjado esse cara vai se mostrar mal humorado, tentar
provocar raiva e até chantagem emocional para chamar a atenção ou criar
incômodo. Seu objetivo final, que é expressão do desejo, costuma ser mal
sucedida, mas as vezes pode garantir algum desfecho sexual.
Sua escola de sedução tem uma origem infantilizada, estereotipada e
até machista. Falta entender qual o fator capaz de despertar o desejo de
uma mulher. Como um filho, ele pode conseguir investidas e até alguma
dose de piedade da parceira, mas o longo prazo revelará uma vida sexual
morna e sem sincronia, afinal, o casal está preso nessa forma de desejo
sucateada.
O enigma do desejo "revelado"
O desejo humano, apesar de não ser escravo de nenhum senhorio
racional, ainda assim, é conduzido por narrativas que podem facilitar ou
dificultar sua expressão. De alguma forma, parece existir um elemento
que desperta e abre o desejo, a sensação de florescimento pessoal.
As narrativas cinematográficas são boas metáforas do despertar do
desejo. O motivo pelo qual um filme nos emociona é que ele foi
construído para capturar nossos sonhos e fantasias mais secretas e
realizá-las na forma de uma mitologia pessoal.

Como bem detectou Joseph Campbell no estudo das mitologias e registrou no livro "A jornada do herói",
o monomito segue uma sequência que varia pouco na estrutura. No
princípio, o personagem principal está na sua vida comum, um pouco
distraído ou entediado quando algum choque da realidade o confronta com
um desafio interno ou externo, após o desafio e uma recusa inicial o
herói se sente impelido pelo chamado e entra na batalha até o clímax da
aventura psicológica e o desfecho, retornando à vida comum, mas com
sentimento renovado.
E qual é a promessa mítica do bom sexo? De que depois dele sairemos renovados, relaxados e mais vivos.
Querida B., o que falta ao seu marido, é entender que sua mente é estimulada de maneira um pouco mais complexa do que as típicas fantasias pornográficas. Não adianta ele cutucar você todo excitadão se não teve o mínimo esforço para colocá-la dentro da imaginação dele.
O que funcionaria, então?
Provavelmente, quando você pede para ter uma introdução menos bruta,
ele entende isso como uma crítica sem sentido. Na verdade, você só está
pedindo para que ele estimule sua fantasia de um modo mais elaborado.
Falta a ele ser um roteirista menos passivo. Como, provavelmente, ele
foi habituado a ter respostas prontas da mãe e de outras parceiras, é
possível que tenha se acomodado em maneiras pouco astutas de evocar o
desejo feminino.
Ele não entendeu que sua mente precisa ser despertada do estado
rotineiro (como no monomito do herói) para um convite de algo
surpreendente e potencializador, como acontece diante de um filme.
Quando um homem deixa um bilhete pela manhã dizendo que tem um segredo
que só revelará à noite, um movimento foi feito. Seu marido
provavelmente ignora que qualquer ação que denote um singelo traço de
grandeza humana como coragem, gentileza, sensibilidade, humildade ou até
força pessoal, poderia dar essa virada narrativa do seu desejo.
Isso não quer dizer que ele precise de pirotecnia e nem de recursos
hollywoodyanos para evocar uma boa transa, mas um detalhe pode acionar a
chavinha que deixará você com tesão. Em algumas situações, ou para
algumas mulheres, a narrativa pode ser mais simples e o desejo vem
fácil, para outras talvez o estado emocional exija mais contexto e mais
empenho. Aqui estamos falando do sexo do dia a dia, do casal que já tem
um tempo juntos e que supostamente conhece o que acionaria o outro
sexualmente.
A menos que seu marido esteja disposto a correr o risco de entediar
você, ele precisa se movimentar mais para evocar o que há de mais
bonito, leve e excitante no seu mundo interno. Em resumo, o seu desejo
precisa de um espaço psicológico desafiante, de liberdade e ousadia para
florescer.
Cada homem precisa estar em sintonia com sua própria jornada de
realização para seguir de "pau duro" na vida, a fim de ter uma parceira
desejosa na cama.
Sem isso, não há tesão que sobreviva.